domingo, 20 de abril de 2014

coração vago

Você já se sentiu sufocado por um vazio? O caminhar dos ponteiros do relógio que, pouco a pouco, assassinam o que o nosso cérebro, nosso coração, nossas ilusões ou sabe lá o que chama de esperança. Debruçamos-nos sobre nós mesmos e nos questionamos o que nos mantém de pé. O que nos dá força para erguer o corpo e não desequilibrar, sem cair por aí, reclamando da vida, choramingando a ausência de algo. Tolerância, o que o mundo diz. Paciência é o que pedem. Compreensão. Compreensão? Compreensão para compreender o vazio, o nada, o branco e o preto, o abandono, a solidão? Compreensão para engolir a seco, mendigar sentimentos recíprocos de papel. A dor te arrebata de uma só vez. Você ajoelha e sente os grãos te machucarem. Suas mãos ardem da palmatória recente demais. Você respira fundo e compreende seus erros. Compreende e pacientemente os tolera. Paga a si mesmo uma penitência. Purga-se. E, ainda assim, sua garganta sufocada reclama por um pouco de ar, que se esvai muito longe daqui. E eu não sei o que se passa, porque, às vezes, eu respiro fundo, mas, às vezes, tudo que me resta é a reciclagem de um ar que eu guardei dentro dos pulmões, economizando para quando eu tiver preguiça. Para quando, quem sabe, doer demais respirar e chorar for mais simples. Ou, se nem isso, quem sabe.
Algumas cenas passam na minha mente e eu me agarro a elas, me agarro forte. Cenas que são flashs, meros momentos rápidos, segundos. Essas cenas ainda me fazem dormir e acordar todos os dias, rezando para que elas se multipliquem. E eu sei que você me acharia louca se conversássemos sobre isso. Eu sei que você não me daria ouvidos se eu te pedisse para escutar. Eu sei que você fingiria não se importar, só para ver se eu fico caladinha, assim, quietinha, só deitada do seu lado, brigando internamente por me convencer de que nada daquilo tem importância, de que eu estou superdimensionando as coisas. Convencer a mim mesma de que é mais sensato não esperar ou desejar certas coisas e somente ser grata. E eu sou. E isso vai bastar.
Porque não são todas as pessoas que têm a sorte de serem abençoadas com grandes amores, não é? Mas como diria o Nando Reis, o grande amor abrange o sonho e a vida real. E na vida real somos assim, imperfeitos, insuportáveis, intolerantes, impacientes, intransigentes. Somos desse jeito, um dia, um mais que o outro, outro menos que um. Nem sempre medidos com colheres, nem sempre dosados do jeito certo. E eu tento me convencer de que a vida é assim mesmo. Convencer-me de que eu sou louca, de que não há nada de errado com a gente. Convencer-me de que você é menos sonho e mais vida real, sem nunca perder o sonho, mas aí vira sonho demais. E eu continuo pensando nisso tudo, caladinha do seu lado. E embora você nunca tenha me dito nada que me convença de que eu estou errada, eu não canso de buscar argumentos que me contradigam, porque eu odeio a ideia de que eu estou absolutamente certa. Isso de ter razão não é para mim.
Mas não nego que sinto a falta tua e não somente tua, tua mesmo. Sinto falta de coisas que nunca fez ou que já não faz há muito tempo. Sinto falta das coisas simples, nada muito caro ou elaborado. Sinto fata do lembrete na geladeira, dizendo o que falta comprar para o jantar. Sinto falta, cara. E o pior é que você sabe disso e finge não saber. Machuca, aperta, engasga, esgana. Doi. Doi. Doi. E doi que, ainda assim, por alguma razão desconhecida, eu ache toda a dor suportável, por pior que seja.  Toda ela é suportável por alguns segundos de compensação. Segundos em que eu fecho os olhos e finjo que nada disso existe. Finjo que grandes amores são só sonhos e excluo um pouco a vida real...

domingo, 9 de março de 2014

Penas Azuis



Um dia ensolarado como aquele não lhe favorecia. Sua pele, extremamente branca, parecia ainda mais branca. Isso sem falar no contraste entre ela e todas aquelas pessoas, expondo marcas de biquíni, um verão muito bem aproveitado, enquanto tudo que ela conseguia expor eram as marcas de olheiras de quem não dormiu bem, pensando em assuntos dos mais variados. Seu cabelo pegava fogo naquele clima quente de Salvador. Aliás, em dias quentes como esse, qualquer coisa pega fogo. Ou quase qualquer coisa.
Sua palidez a tornava invisível, o que contradizia a sua personalidade exigente por atenção. A personalidade que, na tentativa de não parecer neurótica demais, ela culpava quando depositava toda a sua necessidade constante de atenção em alguém. Mas não admitia que ninguém lhe cobrasse a atenção que ela demandava. Não, caras assim são um saco e todo mundo sabe disso. Melhor que deixasse para ela todo esse papel de drama e choro e novelas mexicanas.
Mas, alguns dias, não havia em quem depositar tudo isso. Não havia um filho de Deus capaz de ouvi-la, escutá-la. Então ela simplesmente inventava alguma desculpa qualquer, dessas que a gente nem liga se o outro acreditou ou não (até porque, se acreditasse, isso nos faria questionar seu nível de inteligência), e vai para aquele mesmo lugar de sempre - o terraço de um dos prédios mais antigos da cidade. Já tentaram demolir aquele prédio tantas vezes. Da ultima vez, ela ouviu que ali seria um hotel de uma grande rede internacional. Bom, a verdade é que, por mais que aquele lugar estivesse caindo aos pedaços, literalmente, era maldade demolir aquilo. O terraço era, indubitavelmente, a  melhor vista da cidade que poderia haver. Não digo em relação a essas paisagens de cartão postal, não, disso passava longe, mas dali dava para ver um mercadinho de bairro, mais para uma feira, na verdade. Ela sabia a vida de cada uma daquelas pessoas, apenas observando-as pelo terraço daquele prédio.
E era bom, de vez em quando, se ocupar com a vida das outras pessoas, envolver-se com seus dramas, somente para sentir os seus diminuídos, ainda mais se estamos falando de dramas de pessoas desconhecidas, quando não há qualquer obrigação de ouvir até o final - se o relato está chato, você pode simplesmente sair dali. Simples assim.
Deitou-se no chão do terraço, deixando que o Sol lhe cobrisse, sem ter que ouvir ninguém pergunta-la sobre um protetor solar. Sentiu a quentura tocando a sua pele e as suas costas começando a ferver em contato com o chão quente. Cara, isso é bom. Seu cabelo, reluzente em chamas, adaptava-se ao cenário do clima típico soteropolitano. Viu, então, de longe, um casal de passarinhos, cantando felizes e voando um ao redor do outro. Penas azuis, comemorando o dia.
Pensou, então, em como seria bom ser um daqueles passarinhos, tendo outro ali, à sua frente, simplesmente comemorando o dia ao seu lado, em plena luz do dia. Voar por aí com alguém, sem ter que se preocupar com os horários a cumprir, relatórios a entregar, saldos negativos no banco. Como seria bom sentir aquele calor todos os dias, ver as penas azuis batendo, ouvir seu canto. Sem destino, sem paradeiro, talvez perdida, mas recompensada por ouvir aquele canto, o canto que comunga, enquanto o relógio ainda marca às dez da manhã, apontando um longo dia pela frente.
Afinal, para quem tem o céu para se aventurar, não é difícil chegar perto do Sol.

domingo, 26 de janeiro de 2014

fé. destino. palavras.


Especialmente no início do ano, muita gente fala sobre crenças e esperanças. Muita gente me pergunta em que eu acredito, já que insisto tanto em dizer que o acaso não existe. Em fé e destino, eu digo. E essas duas palavras se entrelaçam, uma complementando as linhas que a outra já não consegue escrever.
Eu já vi milagres acontecerem. Já vi pessoas desejarem algo e se voltarem à força maior em que acreditam - já vi elas serem atendidas. Já vi corações partidos se transformarem em novos. Isso é o que a fé é capaz de fazer e não há como desacreditá-la, ou descreditá-la. E quanto ao destino, bom, há uma razão, uma história atrás de todas as coisas ou pessoas, o que justifica ou, ao menos, norteia o futuro que terão. Há uma história por trás de cada pessoa, uma razão para serem como são. Não é como se as pessoas fossem de um jeito simplesmente porque desejam sê-lo, mas porque são, porque algo no passado as fez assim. Não canso de repetir que tudo acontece por um motivo, não existem acidentes na vida. Não conhecemos as pessoas por acidente. Cada pessoa que nós conhecemos desenvolve um papel em nossas vidas, seja ele pequeno ou grande. Algumas pessoas irão nos trair, nos machucar, nos fazer chorar e nos fazer mais fortes. Outras pessoas irão nos ensinar coisas, não para que nós mudemos, mas, sim, para que aprendamos com nossos erros e aprendamos a reconhecê-los perante aos outros e, quem sabe, nos tornemos melhores pessoas, evoluamos o espírito. Já outras irão simplesmente nos dar inspiração e amor, com o intento de nos fazer felizes quando todo o resto não está.
E, por isso, quando algumas pessoas saem de nossas vidas, nós devemos simplesmente aceitar. Aceitar de coração aberto, porque existe uma rotatividade que move o mundo. Existem várias outras pessoas que precisam cruzar o seu caminho, contribuir para a sua vida de alguma forma, boa ou ruim, mas elas precisam vir. E outras precisam ir, em todos os âmbitos. Nesse momento, não adiantarão promessas de que estará ali. Somente estará se dever estar. Assim como o amor não pode ser mendigado, também não pode a presença. Não há como forçar algo, seja o que for, quando o destino decide que as coisas não funcionarão desse jeito. O destino é soberano ao próprio tempo. O destino é soberano à palavra e qualquer um que não entenda isso talvez deva rever as noções de egoísmo. Afinal, manter alguém preso ao discurso é um dos atos mais egoístas que eu já analisei. Não que eu esteja dizendo que as pessoas não devem ter palavra, não, mas o que são as nossas palavras e promessas, senão um desejo que você tem naquele momento, uma projeção de futuro sem nenhuma segurança efetiva? Somos humanos, não deuses.
As palavras, me disseram, tinham mais valor no passado. Será mesmo? Será que fomos nós, humanos de uma modernidade informal, que nos perdemos em meio a tudo isso? Não sei. O que eu sei é que talvez as pessoas do passado de quem ouvimos tantas histórias fossem mais capazes de manter as palavras reais ainda no presente. Fossem, quem sabe, mais capazes de transformá-las em um futuro. Porque as palavras, meus amigos, são só palavras. O verdadeiro valor, que está atrás delas, deve ser constantemente renovado.
Não adianta, portanto, querer cobrar de alguém que as mantenha. Elas devem ser mantidas porque nós damos razões para isso, porque o destino quer que seja assim. Não adianta, se não for, bater os pés como uma criança, insultar com um vocabulário ferino ou sarcástico, esfaquear em entrelinhas. Não adianta trazer um discurso bonito que espelha superioridade e altruísmo, quando os valores que o motivam despejam-se por terra. É feio ser ingrato à vida.
As palavras não são quebradas, ou quebráveis. São palavras, são o túnel que usamos para expressar o que queremos agora. Por isso eu me entrego a elas, são renováveis, como um espírito em constante mudança. Como um espírito que eu admiro, moderno e informal.
Chega um ponto da vida - e esse ponto não tem nada a ver com idade, mas com timing mesmo - em que é preciso abrir mão de todo o drama desmotivado e das pessoas que o criam e tratar de estar cercado unicamente de pessoas que te fazem rir tanto que você esquece das coisas ruins e é capaz de focar unicamente nas coisas boas. Nos tempos modernos, em que a vida se tornou algo tão fácil de ser tirado, o tempo é curto demais para que ela seja qualquer coisa diferente de alegre.
E então, se, ao fim do dia, soubermos onde destinar a nossa fé, ela poderá moldar o nosso destino. E, mais uma vez, fé e destino se complementam, se equilibram, como deve ser, e se concentram no que eu insisto em chamar de "meu antiacaso".