segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Depois de anos





É incrível como o tempo muda as nossas vidas. O novo fica velho e o íntimo, desconhecido. Foi nisso que ela pensou quando viu aquela mensagem de um número desconhecido - ou não tão desconhecido assim. Mas ele assinou no fim da mensagem. Algo o fez lembrar dela, ainda depois daqueles anos todos. Meio inesperado, ela riu. Mas foi ao seu encontro.
Sentaram-se no píer onde tudo aquilo começou. Ao lado, o restaurante já estava com outra cara. Aquele ambiente já não parecia familiar - talvez nem fosse. Talvez já nem fossem familiares ou coisa outra qualquer. Ai tempo, tempo, tempo. Lá estavam as provas de que ele existiu. Os olhos dele tinham rugas nos cantos. Aquele corpo meio magro cujos cabelos mesclavam-se entre preto e poucos fios grisalhos. Não se viam há tanto tempo... Os assuntos que tinham se resumiram a banalidades.
Acho que só se pode entender, então, como um impulso físico o fato de terem se beijado. Mas eles sabiam suas próprias intenções - não foi como se estivessem se lançando em terra misteriosa. Ambos sabiam: Aquilo é um toque físico e não emocional. Não havia nada de emocional ali. Era indiferente, como respirar mais fundo. Desde que ela entendeu que as coisas funcionavam assim, há tanto tempo, tudo ficou mais fácil: Sem borboletas no estômago em relação a ele. A realidade é só um chão rachado, cor de terra morta - mas, mesmo que morta, ainda é firme e, se dá para andar, é isso que importa. Ela não se ilude e conhece todos os contratos que assinou. Ela os leu. Não sofre. Sem surpresas inesperadas.
Foi aí que ele a puxou para perto. Sentiram o calor um do outro, estavam muito próximos. Ele sussurrou baixo, então, no ouvido dela, freneticamente:
- Te amo, te amo, te amo, te amo.

Foi como se ele achasse que repetir essa mentira várias vezes pudesse apagar todas as mentiras que já lhe contou. 




Aí ela acordou, levantou e abriu as cortinas. Sentiu aquela vitamina D invadir seus poros e sorriu perante o espelho.


Bom dia, novo dia. 

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

"Paz" e o novo acordo semântico.

Nós dançamos. As enormes caixas de som ressoam, no ritmo de alguma dessas músicas pop/alguma nova modinha. Suados e em silêncio, as luzes multicoloridas e piscantes nos envolvem, como uma névoa. Mal conseguimos manter nossos olhos abertos, encarando um ao outro. Eu abaixei a cabeça, que balançava ao sabor da música, e enlacei as mãos atrás de sua nuca. Sinto o contato da sua pele com a minha e me pergunto como deixamos as coisas morrerem desse jeito. Não sinto nada.
A música acaba e logo começa outra, que me parece exatamente igual - elas sempre parecem. Acho graça por não saber o nome de nada que tenha tocado nessa noite. Como se a melodia que a minha vida resolveu tocar fosse parte de uma partitura que eu nunca aprendi a ler. Acho graça. Faz muito tempo que não ouço músicas novas, mesmo. Tem muitas coisas que não faço há muito tempo.
Disse-me qualquer coisa inaudível e foi sentar-se na mesa, num canto escuro. Tomou um gole da cerveja. Então, enquanto você acendia mais um cigarro, me viu, com o canto dos olhos, chegar mais perto. Me agachei até que a minha cabeça estivesse na altura da sua, para que nossos olhos tivessem conexão direta. Inclinei-a só por um segundo, para que meus lábios encontrassem seu ouvido e eu pudesse te perguntar:
- Então, o que a gente faz agora?
- Sei lá – respondeu, segurando aquele cigarro asqueroso, seu novo amiguinho incrível, entre os dentes. – A gente aproveita.
- Por que a gente muda tanto? – mais uma pergunta que eu fiz questão de usar um tom de voz único, só dele.
- Não saberia te dizer. – era um misto de pesar e indiferença, eu senti.
- É mesmo uma pena... – complementei o lamento.
Sentei-me ao seu lado e calei-me, sutilmente. Ele soprou a fumaça no ar e ficou imaginando mil desenhos formados ali. Papo de gente que fuma – eu queria poder entender. Mas isso de cigarro não é pra mim... Olhou para lado e a minha cabeça repousava, dormindo sobre seu ombro, embora meus pensamentos viajassem por aí. Paz, então, em nós dois. Finalmente, paz. Pena que só na superfície. Na beirinha da praia de um oceano agitado. 

sábado, 10 de setembro de 2011

new way

Eu o encarei. Olhos nos olhos. Fazia tempo que eu não olhava ninguém assim, com tanta intimidade. Fazia tempo que eu não sabia o que significava ver a si mesma refletida nos olhos de outra pessoa. E ele sustentou o meu olhar e eu, estranhamente, não me senti constrangida. Aquela mecha do cabelo caiu sobre os meus olhos e eu nem perceberia se não fosse por ele a ter colocado gentilmente atrás da minha orelha. Sempre achei os magrinhos mais bonitos, mas não dá pra negar o charme que é quando ele me abraça e os músculos do seu braço ressaltam "acidentalmente".
Ele tem aquele olhar de quem está morrendo de sono que, quando combinado a uma voz arrastada, me dá a sensação do conforto de um dia de domingo. É estranho, porque eu sempre odiei os domingos. Mas é calmo e, de fato, é bom.
O jeito que ele tem de fazer algum comentário inapropriado é tão apropriado que, às vezes, eu rio até sem querer. E eu me odeio quando isso acontece, porque aí ele descobre que eu tenho o riso falhado.
Ele tem a mania de me carregar e se divertir horrores quando eu começo a gritar para que me coloque no chão. Ele curte a sensação de poder me levantar para a direita ou para a esquerda, conforme queira - seria inútil medir forças com ele.
E, quando eu olho para ele, o que enxergo não é alguém sem defeitos ou que tenta me mostrar algo que não é. Ele não faz a menor questão de me impressionar, embora faça questão da minha presença. Eu o enxergo com tamanha clareza que, desde a primeira vez, foi como se o conhecesse há muitos anos...
Talvez seja um pouco precipitado dizer que estou realmente envolvida. Afinal, encerrei outro ciclo ainda essa semana. Mas é preciso conceituar "envolvimento". Mas não posso me sentir culpada por estar feliz. Mas não posso me sentir culpada só porque, ao contrário do que eu imaginei, não está sendo difícil seguir em frente.
Às vezes eu me sinto nova demais perto dele. Não na idade, mas ele tem aquele ar de quem já é mais, como diria minha avó, vivido. Como se já fosse mais experiente em absolutamente tudo e eu fosse apenas alguém que tem muito o que aprender. 
Não combinamos tanto assim e eu sei disso. Eu sei que eu posso cansar a qualquer momento, porque ele me entende. Ele sabe que eu não vou dar satisfações da minha vida e detesto que queiram me manipular ou me digam o que fazer ou onde ir. Ele sabe que eu me sinto melhor se me sentir livre e sabe que eu não vou ficar ligando para ele mil vezes, nem entupindo sua caixa de entrada de mensagens fofinhas. A menos que se trate de alguém que tenha despertado isso em mim (acredite, é algo bastante difícil), não faz meu tipo - ele sabe. E o pior: Ele entende completamente. Com a gente é assim: Não tem mistério, não tem segredo e o jogo com as cartas na mesa é tão estimulante como eu nunca imaginei que seria.
Ele quer as mesmas coisas que eu: Um motivo para relaxar. Uma válvula de escape e uma chance de deixar escapulir os bons modos, sendo quem quiser ser. Sem máscaras.
Ele é novo e talvez a novidade de ser uma novidade (faz tempo que não uso essa palavra) seja o que o torna tão cool no meu dia-a-dia.
Se eu estou apaixonada? Provavelmente não. Se eu conseguiria "terminar" com ele hoje, agora, e não sentir nada? Provavelmente sim. Não temos nenhum tipo de ligação, mas eu admito que é bom demais estar com ele. Finalmente, experimento o que Jota Quest disse serem os dias melhores.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

??/??/2011




Só costumamos enxergar duas coisas nas pessoas: O que queremos ver e o que elas querem nos mostrar.
Nada mais existe e não há nenhuma garantia de que essas duas coisas são reais. Por isso, hoje é o dia do último passo.
Eu costumava dizer que, quando ninguém estava olhando, eu sentia falta das coisas boas nele. Mas não, essas coisas não existem. Não que ele não tenha qualidades. Ele tem sim. Muitas, por sinal, e eu nunca negaria isso. Mas não são aquelas que eu enxergava. Talvez elas tenham existido um dia ou talvez não seja culpa dele. Talvez eu tenha criado essas coisas na minha cabeça, só para achar que existia alguém que poderia reunir tudo aquilo em que eu acreditava. Eu achei que ele era esse alguém e quis culpá-lo por ser simplesmente humano. Seres humanos cometem erros. Talvez eu tenha cobrado demais dele por ter pedido que correspondesse às minhas expectativas da exata maneira que eu desejei. Talvez, então, ele esteja certo quando diz que eu sou egoísta e penso em mim primeiro lugar, sempre. Não é isso que está na minha cabeça. É só que o personagem que eu criei no meu coração para representá-lo queria as mesmas coisas que eu, embora as pedisse de um jeito diferente. Eu me iludi porque eu quis e isso é fato.
Mas, agora, também me desiludi. Novamente porque eu quis.
Por isso que eu concluí que não sinto falta das coisas que eu via nele, porque a maioria dessas coisas não são reais e só existem na imagem divinizada que eu criei dele, por conta própria. Eu sinto falta da maneira como ele me fazia sentir em relação a mim mesma, porque isso, sim, era real. E todo mundo precisa de alguém que cuide de nós - a isso, dá-se o nome de sobrevivência. Mas, se você coloca um encantamento nisso, aí vira amor. E dizem que ninguém deixa de amar uma pessoa da noite para o dia. Por essa razão, há muito tempo eu já venho assim. Por fora, eu já desisti. Por dentro, sempre arranjei uma desculpa para recomeçar. Como um ciclo vicioso, eu nunca conseguia por um ponto final nessa história toda.
Mas eu estou confiante. Dessa vez eu dei tudo de mim. Perguntei ao meu coração surrado e ele me disse que estava de acordo. Meu coração aprendeu a dar pontos rápidos, costurando feridas, antes que ele aparecesse para cortar a linha e me obrigar a recomeçar. Meu coração não é tão burro, afinal de contas. Dei, hoje, ao pedaço "pretérito mais que perfeito" do meu amor uma chance de mostrar que eu estava errada. Só para que eu não me culpasse pelo resto da vida, achando que havia ali uma chance que eu ignorei. Não, eu estou de consciência limpa de que saio disso tudo do mesmo modo que entrei: Limpa e confiante do sucesso de minhas ações. Essa última "chance" só serviu para mostrar que eu estava certa. Que eu estou certa. Eu estou certa quando eu acho que já se foi o tempo em que havia algum pedacinho de saudade que valesse a pena. A saudade de hoje em dia nem sequer é saudável. Eu estou certa. Eu.  Adeus, vício, você não me pertence e tampouco eu te pertenço. Finalmente eu sinto o meu peito esvaziar e meu corpo já não treme. Eu tenho o perfeito controle da situação.
Amor implica admiração. Credibilidade. Futuro. Sonho. Reciprocidade. Preocupação. Sensibilidade. Se você já não sente nada disso, raramente ainda ama. Se você acha que algumas coisas são melosas e não cabem ou se você olha para trás e acha que tudo aquilo foi uma grande besteira, raramente ainda ama. E mesmo que ame, só o fato de fazer questão de negar tudo isso te faz raramente ainda amar. Às vezes você tem que esquecer o que você quer para começar a entender o que você merece. Porque a verdade é que a gente só amadurece e deixa determinadas pessoas, fatos ou lembranças para trás quando essa é a única alternativa. E é há muito tempo. Vai ver é por isso que eu me sinto tão forte.
Ele me ensinou a arte de sobreviver a uma dor que eu ainda vou encarar algumas vezes. Ele me ensinou a ser forte e madura e me fez aprender que chorar não significa ser ouvida e ser ouvida não significa ser atendida. Foi com ele, também, que eu aprendi que, às vezes, não se importar é o melhor remédio. Dizem que tudo que não nos mata, nos fortalece. Aqui estou eu, mais forte.
Não posso negar também que eu aprendi a controlar essa minha tendência em ser autoritária. Aprendi a dar a volta por cima. Eu dei.
Aquela velha eu que antes aqui escrevia declarações infinitas de um amor absurdo já está dando adeus. Acho que você não foi o único que mudou. Eu também mudei, mas aprendi que se preocupar com os outros não tem nenhuma contra-indicação.
É verdade que eu andei meio manca por aí, mas eu já joguei as muletas de lado. Já desfilo no salto alto sem problemas. Ele tem participação nisso. Não posso dizer que foi ruim - não foi. Para o momento foi maravilhoso e é desse jeito que eu quero lembrar. Não curto isso de pensar nas coisas ruins para esquecer. Sou mais daquele tipo que acredita nas coisas boas e lembra delas. Os momentos bons, eu lembro um a um. E eu não quero esquecer deles - acho que não é essa a palavra. Eu só não quis mais viver isso. Porque naquele momento cabia e eu torno a dizer: foi maravilhoso. Mas hoje já não cabe. E se eu não me libertar logo disso em breve serei apenas como um cão vira-lata com o focinho preso em uma lata na rua. Para de mexer cachorro. Para de mexer ou essa lata vai prender em você para sempre.
E, embora tivesse tudo para ser o dia em que eu mais lembraria dele, hoje se marcará o dia em que ele se tornará apenas uma página da minha vida. Uma página bonita, que por muito tempo me fez ficar colorindo desenhos e criando bordas que a ressaltassem em meio às outras. Mas no fim, é uma página. Só uma página de um livro que ainda tem muito a ser escrito.
Eu estou renovada. Eu estou feliz. Eu me sinto potente, como se, pela primeira vez na vida, essa situação só dependesse de mim (e não de nós dois). Deixamos de ser "nós dois" e somos apenas eu e você, sem necessariamente essa conjunção aí no meio. Eu sei que você não precisou dar a volta por cima. Mas eu dei, é isso que importa. Dei a volta por cima e hoje eu sei que consigo seguir em frente. Hoje o futuro parece muito mais bonito. Hoje o que eu enxergo é o meu horizonte aberto e, acredite, não tem nada melhor que essa sensação de libertação.
E sabe do mais? Eu estou feliz. Hoje eu não vim me queixar. Eu estou feliz. Eu estou... Feliz.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

rehab

Hoje se inicia o processo de finalização do ciclo. Após tanto tempo adiando a recuperação e frequentando a reabilitação do interior de minha mente, lutando contra (e ao mesmo tempo a favor) um vício canceroso, o amanhã se tornou o hoje. Acordei revigorada e disposta a fazer desses próximos cinco dias a minha oportunidade de recomeçar. Dessa vez, recomeçar de verdade. Estabelecerei novas metas e prioridades que incluem principalmente deixar o passado no passado.
Pensar em mim não foi o bastante, porque, ao pensar em mim, eu estava pensando e lembrando aquela sensação de ecstasy que me fazia sentir completa. Dava sentido ao mundo e me explicava a exata razão de nunca ter dado certo de outra maneira. De repente, pensar em mim me fazia ter a certeza da dependência que eu tinha daquele vício. Talvez, mais do que oxigênio, eu precisava consumi-lo - só assim teria certeza de que as coisas estavam em seus devidos lugares. Só assim estaria feliz.
Lamento, mas é hora de a razão assumir as rédeas de minha vida. E, acredite, durante esse tempo em que não assumiu, todo tipo de besteira já passou pela minha cabeça. Passei por aquela fase ridícula de não acreditar mais em mim mesma ou minha própria recuperação e de achar que ninguém poderia me ajudar. Aquela fase de sentir pena de si mesmo. Patético, deprimente. Houve um tempo em que eu não queria ser ajudada. O vício me invadia a cada momento de fraqueza, junto com uma onda triste, mas o meu lado sombrio sussurrava que esse era o único modo de viver. Como se o mundo lá fora não existisse. Como se eu não estivesse pronta para encará-lo, mesmo que eu sempre tivesse estado. Eu vivi isso.
Mas hoje é diferente. Eu vi o futuro. Eu olhei o horizonte. Descobri quem eu era. Decidi quem eu quero ser. A tinta da caneta terminou no meio e o que seria mais uma das infinitas vírgulas acabou se tornando um ponto. Um ponto final. E, pensando bem, relendo a história, um ponto final cabia ali. Cabia perfeitamente.
Se continuasse a escrever, possivelmente as letras escorregariam para fora das linhas. O meu câncer aumentaria. Cresceria de tal forma que destruiria a fonte de onde nasceu. Meu coração corre riscos. Talvez ele nunca voltasse a funcionar. Talvez não batesse como agora.
Sobrariam apenas meus olhos vermelhos e aquela sensação de que eu poderia fazer qualquer coisa, só para ter contato novamente com o vício. O mais importante seria me manter viciada. Mas não há nenhum grupo para me ajudar. Não estou viciada em nenhum desses entorpecentes, bebidas, cigarros. Tenho horror a tudo isso. Meu vício não é proibido por lei e os olhos vermelhos são de lágrimas que escorreram por muito tempo. Nada mais. Mas chega.
Chega. Eu, hoje, me agarrei ao meu horizonte. Ao meu futuro.
Abasteci o carro que irá me curar. Tracei o caminho de tinta permanente em um mapa rasurado e um pouco amassado. Pus-me na estrada.
Embora queira abandonar o vício, admito que ainda tem uma parte de mim (parte essa que será exterminada nos próximos cinco dias) que acha que pode ser surpreendida a qualquer momento. Que lindo seria o vício maldoso se tornar um suspiro calmante. Inesperado. Ops, palavra errada! Improvável (dizem que nunca devo falar em impossível).
Sendo assim, só me resta seguir com o plano dos cinco passos. Hoje, dia 01/09/2011, é o passo número um. E eu vou fazer esse plano funcionar.


Estou a 100km/h. Agora 140. Passo para 160. Me aproximo dos 200.
Aviso aos passageiros: Eu não pretendo parar.