domingo, 9 de março de 2014

Penas Azuis



Um dia ensolarado como aquele não lhe favorecia. Sua pele, extremamente branca, parecia ainda mais branca. Isso sem falar no contraste entre ela e todas aquelas pessoas, expondo marcas de biquíni, um verão muito bem aproveitado, enquanto tudo que ela conseguia expor eram as marcas de olheiras de quem não dormiu bem, pensando em assuntos dos mais variados. Seu cabelo pegava fogo naquele clima quente de Salvador. Aliás, em dias quentes como esse, qualquer coisa pega fogo. Ou quase qualquer coisa.
Sua palidez a tornava invisível, o que contradizia a sua personalidade exigente por atenção. A personalidade que, na tentativa de não parecer neurótica demais, ela culpava quando depositava toda a sua necessidade constante de atenção em alguém. Mas não admitia que ninguém lhe cobrasse a atenção que ela demandava. Não, caras assim são um saco e todo mundo sabe disso. Melhor que deixasse para ela todo esse papel de drama e choro e novelas mexicanas.
Mas, alguns dias, não havia em quem depositar tudo isso. Não havia um filho de Deus capaz de ouvi-la, escutá-la. Então ela simplesmente inventava alguma desculpa qualquer, dessas que a gente nem liga se o outro acreditou ou não (até porque, se acreditasse, isso nos faria questionar seu nível de inteligência), e vai para aquele mesmo lugar de sempre - o terraço de um dos prédios mais antigos da cidade. Já tentaram demolir aquele prédio tantas vezes. Da ultima vez, ela ouviu que ali seria um hotel de uma grande rede internacional. Bom, a verdade é que, por mais que aquele lugar estivesse caindo aos pedaços, literalmente, era maldade demolir aquilo. O terraço era, indubitavelmente, a  melhor vista da cidade que poderia haver. Não digo em relação a essas paisagens de cartão postal, não, disso passava longe, mas dali dava para ver um mercadinho de bairro, mais para uma feira, na verdade. Ela sabia a vida de cada uma daquelas pessoas, apenas observando-as pelo terraço daquele prédio.
E era bom, de vez em quando, se ocupar com a vida das outras pessoas, envolver-se com seus dramas, somente para sentir os seus diminuídos, ainda mais se estamos falando de dramas de pessoas desconhecidas, quando não há qualquer obrigação de ouvir até o final - se o relato está chato, você pode simplesmente sair dali. Simples assim.
Deitou-se no chão do terraço, deixando que o Sol lhe cobrisse, sem ter que ouvir ninguém pergunta-la sobre um protetor solar. Sentiu a quentura tocando a sua pele e as suas costas começando a ferver em contato com o chão quente. Cara, isso é bom. Seu cabelo, reluzente em chamas, adaptava-se ao cenário do clima típico soteropolitano. Viu, então, de longe, um casal de passarinhos, cantando felizes e voando um ao redor do outro. Penas azuis, comemorando o dia.
Pensou, então, em como seria bom ser um daqueles passarinhos, tendo outro ali, à sua frente, simplesmente comemorando o dia ao seu lado, em plena luz do dia. Voar por aí com alguém, sem ter que se preocupar com os horários a cumprir, relatórios a entregar, saldos negativos no banco. Como seria bom sentir aquele calor todos os dias, ver as penas azuis batendo, ouvir seu canto. Sem destino, sem paradeiro, talvez perdida, mas recompensada por ouvir aquele canto, o canto que comunga, enquanto o relógio ainda marca às dez da manhã, apontando um longo dia pela frente.
Afinal, para quem tem o céu para se aventurar, não é difícil chegar perto do Sol.

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