segunda-feira, 23 de julho de 2012

os arrepios que você me dá.



Essa tarde, hoje, eu estava sentada no aeroporto de Guarulhos, concentrada em não perder o meu voo. Tam 3154. Ouvidos cem por cento atentos a qualquer baboseira que falassem pelos microfones. A gente fica assim quando não tem ninguém para ser responsável por nós, com medo de perder as rédeas dos próprios atos e acabar refém de suas consequências. Afinal, a última coisa que eu precisava agora era ligar para os meus pais avisando que teria que esperar o próximo voo rumo à terra dos acarajés.
Por um instante que me distrai, minha mente me levou até uma cena que aconteceu há um certo tempo atrás, mas tamanha é a sua precisão em minha lembranças que não seria difícil afirmar que isso ocorreu ainda ontem. Levamos 5 minutos para resumir o ano passado, mas o ontem nos toma pelo menos uma hora. Todavia, esse momento tem tanta cara de ontem que já nem sei quanto tempo me toma. Tudo que sei é que aquilo foi algo tão grande, complexo e especial que, de repente, eu não precisei pensar em mais nada. Não precisei me preocupar com mais nada (nem mesmo com o número do voo). De repente, não mais que de repente, aquele pensamento foi o suficiente para me completar e algo dentro de mim disse que eu estava satisfeita.

- Felipe? - eu perguntei com uma voz um ou dois tons acima de um suspiro, como um vocativo, enquanto entrava naquela casa ainda em construção, naquele condomínio onde costumávamos ir sempre para fugir da rotina.
- Estou aqui, Alice - você me respondeu, aparecendo por trás de mim e me abraçando -, mas nós dois precisamos ter mais cuidado! Acho que o segurança da quadra dois quase viu quando você pulou o muro.
- Sério? E isso te preocupa? - eu ri, enquanto você levantava as sobrancelhas, querendo entender onde o meu pensamento pretendia chegar, como quem não enxerga o motivo de eu não levar aquilo a sério - O que houve com todo aquele papo de adrenalina? O proibido é mais interessante, eu acho - eu passei a mão por dentro do seu cabelo, sempre por cortar, desci os dedos contornando a sua mandíbula e fiz um comentário qualquer sobre a sua barba finalmente te deixar com cara de homem.
O Felipe sorriu pra mim e me beijou. Sabíamos que, naquele momento, estávamos indo contra milhões de regras e, principalmente, contra o bom senso. Não somos um bom time e a experiência está aí para comprovar. Mas, por alguma razão, sempre que estamos juntos, parece que o bom senso é muito burro e que a experiência não passa de uma história para criancinhas dormirem logo. Aquele lugar era proibido. Aquela situação era proibida. Aquele beijo era proibido. Nós dois... éramos.
E com tudo isso acontecendo, um turbilhão passava dentro de mim. No momento em que o Felipe me puxou para tão perto dele eu senti um friozinho na barriga, oscilando com um calor inquietante. Literalmente, inquietante. Era difícil acompanhar tantas mudanças. Os pelos do meu braço se arrepiaram quase que instantaneamente. Os choques de temperatura provocavam calafrios e a possibilidade nunca impossível de sermos pegos misturava o medo da realidade com uma seringa inteira da segurança que nós compartilhamos quando estamos juntos. Uma segurança incrivelmente excitante e, antes de tudo, surpreendentemente interessante e curiosa.
Uma vez eu parei para me perguntar o motivo de nós nos arrepiarmos. Cheguei até, eu me lembro, a fazer algumas dessas pesquisas de internet (não, eu não sou desocupada). O que eu descobri é que cada pelo do nosso corpo está ligado a uma fibra do músculo que o faz arrepiar. Como outros músculos lisos, essa é uma ação que independe da nossa vontade e é ativada pelo sistema nervoso autônomo. Os músculos periféricos se contraem durante o frio, tentando estabilizar a temperatura corporal, provocando aquela sensação de tremedeira, bater de dentes... 
Arrepiamos-nos, também, como consequência de algum medo, o que é uma herança dos tempos primitivos. A situação de ameaça ativa o sistema nervoso simpático e nos torna, por estarmos arrepiados, "maiores", além de "intimidar o inimigo". 
Soma-se a tudo isso a dilatação das pupilas, aumento das frequências cardíaca e respiratória, quebra de glicogênio hepático e liberação de adrenalina (a nossa adrenalina) e noradrenalina, tudo isso somente para deixar o corpo apto a fugir e lutar.
E, ainda assim, eu não luto. Eu não fujo. Quando estamos só eu e você, apenas Felipe e Alice, nenhum sobrenome, só restam corpos arrepiados, obedecendo cegamente uma lógica sem lógica nenhuma que nos aponta como norte de uma bússola que eu acho que parou de funcionar. Mas os meus dentes continuam batendo. O meu corpo ainda procura a temperatura exata. Eu ainda tento parecer maior todos os dias.
Porque eu tenho medo todas as vezes em que eu cruzo uma porta para te encontrar. Porque eu sinto frio e calor ao mesmo tempo sempre que eu vejo você chegar mais perto. Porque o meu coração bate nas costas sempre que eu escuto o seu nome e porque eu fico ofegante quando tento pensar em um futuro para nós. Porque eu não consigo falar com você no telefone sem tremer a voz, ou os dentes. Porque as minhas mãos chacolham muito quando você diz que eu fico bem com aquele vestido e não há nada que eu possa fazer para impedir isso.
Eu tenho medo de nós dois. Eu sinto o perigo nos rondando. A consciência de que isso não é certo. Nunca será.
Mas algo me diz que eu estou segura com você. Aquecida quando há frio e fresca no calor. Algo segura as minhas mãos para que elas parem de tremer e um beijo impede que os meus dentes batam mais uma vez. Respiro pela sua respiração e o meu coração se materializou em alguém, a ponto de que eu não preciso me preocupar se ele está batendo dentro de mim ou não: Sei que bati aqui, bem na minha frente, a cada vez que você surge.


"Atenção clientes do voo Tam 3154, com destino a Salvador: O embarque está sendo efetuado através do portão de número sete."

E, nessa hora, eu percebo que é melhor eu voltar a me concentrar em embarcar logo nesse avião... E deixar o resto simplesmente ser como deve ser.
Arrepios me corroem mais uma vez.

4 comentários:

  1. Texto lindo! Já tava com saudade de ler algo aqui e me identificar! Ainda bem que você voltou (:
    Você me orgulha cada dia mais. Sou sua fã.
    Beijos, te amo!

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  2. Felipe e Alice... SEI!
    Huahuahauhauahuaha. :D

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  3. Texto incrível, como sempre. É sempre bom vir aqui e me identificar com cada palavra. Você é perfeita! Te amoo

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  4. Que lindo o texto! Sempre! E os dois personagens, huuuuuuum, prenderam a atenção! Você sempre se superando!! De sua fã número 1, Lari. P.s.: adorei a explicação dos arrepios!

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