sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

35 lines.



Talvez em outros tempos, a visão da menina fosse meio distorcida por olhares românticos incuráveis. No tempo em que o choro lhe enfeitava o rosto, as lágrimas tornariam a realidade embaçada, nebulosa demais para que ela a pudesse enxergar como faz hoje.
Deus escreveu, por tanto tempo, o certo pelas linhas deles dois, que, se não fossem tão tortas, não teriam jamais se cruzado. No entanto, quando duas retas se cruzam, apesar de compartilharem um ponto comum, em seguida elas se separam, rumo a caminhos completamente diferentes. Aquelas retas nunca mais se encontrarão naquele ponto.
Foi isso que ela disse a ele, logo antes de pedir que vendasse os olhos. Ela pediu que ele visse o mundo e a si mesmo pelo menos uma vez pelos olhos dela. Talvez faltasse naquele garoto um pouco de verde musgo para colorir o olhar. Faltava o jeito dela de confundir o sim e o não e quase sempre optar pelo talvez.
Ele tem medo. Medo de deixar fluir o seu lado mais bonito e cativante. A imagem do bandido lhe soa mais interessante que a do mocinho. Garotos: quem os entende? Ele tenta se esconder atrás do som de uma guitarra que toca rock n'roll compulsivo. Só porque isso o faz mais legal aos olhos de pessoas que nunca o conhecerão. Que nunca o olharão nos olhos e saberão exatamente o que está acontecendo. Pessoas como quaisquer outras, excluídas do universo que o rodeia. Tão pequeno e ele faz parecer tão grande. Pessoas com as quais ele nunca virá a compartilhar mais que uma grade de cerveja, três maços de cigarro barato e meia dúzia de conversas banais sobre algo que não dura muito tempo na cabeça (e, às vezes, nem sequer nos ouvidos). Ele tem medo de não ser aquilo que desejava querer ser. Mas no fundo, não quer. Não quer e talvez nem ele saiba disso. Ele se acostumou a querer ser como os herois que morreram de overdose, mas esqueceu de mencionar os inimigos que assumiram o poder.
Ela o observou roer a pontinha dos dedos, enquanto relaxava a coluna em uma cadeira e mirava o chão. Ele sempre faz isso quando está constrangido ou se sente culpado por algo. Ela acha isso bonitinho, porque é quando ele se faz humano. É quando ele deixa a máscara cair. Tão vulnerável. Afinal, não é disso que o amor trata? Confiar em alguém o suficiente para se expor e estar completamente vulnerável, apostando que a pessoa não fará uso disso para lhe machucar? Ela acha que sim. E ele tem medo de que ela esteja certa a seu respeito.
Quando ele vai falar de si, parece tão cheio que ela lembra da lua cheia de um píer na aurora de setembro. Eis que está aberta, porém, a temporada de estiagem! Salve-se quem puder.
Ele tem uma adoração secreta por brigas e discussões e ela detesta isso. Mas sabe também que ele não gosta de prolongar nada para o dia seguinte. Com ele as coisas só valem aquele momento. Portanto, amanhã tudo será deixado para trás. Afinal, em vinte e quatro horas a Terra dá um giro - por quê o mundo dele precisaria ser maior do que isso?
A grosseria é só um mecanismo de autodefesa. Ele carrega as suas máscaras com um peso que não enxerga. Mas ela enxerga. Vai ver é por isso que insiste em ajudá-lo, ainda que não diga abertamente. Ela sabe que, por trás daquela máscara, existe alguém a ser salvo.
Talvez ela até seja ingênua, ou talvez meio maluca. Ou talvez não tenha limites. Mas ele, ele precisa parar de mentir para si mesmo. Ele precisa. Porque nem ele mesmo sabe o quanto há de bom naquele rosto, que só precisava se deixar mostrar.

PS: Exatas 35 linhas em um papel. Quantas entrelinhas?

3 comentários:

  1. é incrivel como seus textos são bem melhores, notaveis sensacionais e muito mais fantasticos quando voce fala de mim, haha to de parabens, sou do caralho! mas só pra constar, eu fumo carlton, haha e nao é um cigarro barato!

    otimo texto, parabens ;)

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  2. Ta ai a prova de que você está certa.
    Talvez seja bom por você não permitir a "hemorragia interna", mas, infelizmente, ruim por gerar incompreensão e ignorância do sujeito descrito. E até mesmo o sarcasmo e orgulho por ele ter sido o protagonista desse teatro.
    Bravo Bela. Incrivelmente intenso e bem redigido.

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  3. Tenho que parar de visitar seu blog, porque eu me sinto um nada. Você não precisa fazer Letras não, já é perfeita escrevendo. Per. Fei. Ta. Sempre. Que orgulho, que orgulho...

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