domingo, 13 de janeiro de 2013

a oração de Maria.


Maria tinha entre os seus 12, 13 anos de idade. Para muitas coisas e para muita gente, levando em consideração os novos parâmetros do século, ela já não era mais uma menina. Isso se analisássemos a garota como um caso objetivo. Dotando-o de subjetividade, seriamos levados a analisar como ela agia e as aspirações que tinha na vida. E nisso, a síndrome do Peter Pan ainda reinava. Quer dizer, pelo menos aos moldes de hoje em dia.
Sua mãe estava ocupada comprando algum jogo de lençois novo para combinar com as paredes do seu quarto e Maria preferiu ficar do lado de fora da loja esperando, apenas observando as pessoas passeando no shopping. Cada uma daquelas pessoas tem uma vida e uma história, o que parecia ser distração suficiente para a sua mente impressionável e imaginação fértil. Divertia-se criando roteiros para a rotina de cada uma das pessoas que passava a sua frente, baseando-se apenas no modo como andavam, vestiam-se ou a julgar pelas olheiras que lhes enfeitavam a face. Atenta aos detalhes, Maria os apreciava.
De todo modo, muito mais do que criar rotinas para as pessoas, ela gostava de se por no lugar delas. Imaginava como seria viver cada uma daquelas vidas. Os shoppings normalmente são palco de vários casais, andando de mãos dadas e esbanjando sua felicidade, que nem sempre é verdadeira, mas sempre é, ao menos aos olhos de Maria.
Maria gostava de pensar que um dia ela faria a mesma coisa. Um cara super legal, inteligente, bom de papo iria buscá-la em casa e eles sairiam para ver uma comédia qualquer, depois de ele ter conversado com o pai dela sobre o jogo da quarta passada e sobre o quanto a arbitragem foi injusta. Eles já teriam comprado os ingressos pela internet, assim teriam tempo suficiente para comprar sorvetes antes de o filme começar. Vanilla com calda quente de chocolate - ele não precisava perguntar. Ela apenas olhava para ele na fila da sorveteria, rindo de seus pensamentos e lembrando o quanto a vida era boa. O quanto a felicidade estava ali, ao seu lado. Depois, ela faria um comentário qualquer a respeito daquela loira boazuda que estava na fila ao lado e não parava de encará-lo, fazendo-se de enciumada. E ele iria rir e abraçá-la forte, comentando o quanto aquela cara de brava era extremamente atraente.
Depois eles iriam assistir ao filme e sentariam naquelas filas de quatro cadeiras, bem no meio, impedindo que outras pessoas resolvessem sentar ali também. No dia seguinte eles iriam ao show daquela banda que ela adora e tem musicas calminhas para relaxar. E ele a deixaria em casa na volta e ela voltaria cantando aquelas músicas novamente e ele não se importaria de ouvi-las pela segunda vez e na sua voz rouca, ainda por cima. Ele gostava de vê-la rindo dos refrões absurdos e inimagináveis daquela banda. E ela se empolgava e dizia que iria fazer aulas de bateria, ser uma estrela do rock, ou quem sabe aprender violino e tocar em uma orquestra. Depois ela se rendia à boa e velha MPB. Ao chegar na casa dela, ele pararia naquela vaga cativa. Abriria o porta-luvas e entregaria uma caixinha com o par de brincos que ela esqueceu no carro dele no dia anterior, enrolados em um papel qualquer que ele pegou e rabiscou um "Eu te amo" em sua caligrafia, ou cacografia, vai saber.
Eles se beijariam e ela entraria em casa. Mais tarde, ele mandaria uma mensagem para ela, comentando sobre uma discussão qualquer que teve com o filho do vizinho e eles conversariam horas a respeito. E ela o ouviria dizer o quão irritante é aquele garoto e o quão ensurdecedor é o barulho dos gritos que ele vive dando por ai. E eles acabariam discutindo por alguma coisa insignificante no meio da conversa. Desligariam o telefone chateados, achando melhor conversar no outro dia. Mas 10 minutos depois ele enviaria uma mensagem de texto dando boa noite e dizendo que estava com saudades. Ela responderia dizendo que o amava. E tudo voltaria a ser como sempre foi.
Ele iria buscá-la na faculdade no dia seguinte com um das suas flores favoritas no carro e eles iriam almoçar em algum restaurante a quilo que servisse suco de laranja e água de coco. De preferência, algum perto o bastante da casa dela para que ele a deixasse em casa e voltasse ao trabalho sem que o seu chefe, sempre insuportável, reclamasse de coisa alguma. E eles iriam vivendo assim, dia após dia, sendo felizes como aqueles casais no shopping. E ele teria o maior orgulho de segurar a mão de Maria em público e exibir-se por ai, como um cara sortudo, e ela faria o mesmo. Eles iriam esbanjar o amor, expressá-lo, pelos 4 cantos do mundo. Ou de seus corações.
E os anos se passaram e os desejos da Maria ainda eram os mesmos. Logo foram 10 anos, depois 20 e por aí vai... E ela abriu uma loja no shopping. E continuava observando a vida daquelas pessoas e desejando. Os mesmos desejos. Até que um dia uma coisa aconteceu. Ela viu um casal brigando. Brigando mesmo. E a felicidade ali se esvaiu. Foi o primeiro casal para o qual ela não tentou construir uma vida. E lembrou dos sonhos que tinha. Lembrou da Maria de anos atrás. Dos sonhos de Maria.
Aquela mulher, a Maria, então, olhou para os lados e se retirou do corredor das lojas. Caminhou a passos lentos demais até a primeira janela, ajoelhando-se. Foi aí que ela murmurou aos céus, juntando as mãos em oração: Deus, que a realidade cruel nunca seja cruel o bastante para destruir os sonhos dessa menina. Deus, que ela encontre alguém irreal o suficiente para alimentar esses sonhos. Alguém que exista, apesar de não existir. Alguém que a ouça e faça disso tudo realidade. Não a abandone, meu Deus, não a deixe ser parte da sociedade. Existem sonhos que não merecem ser destruídos. Protegei Maria, amém.
E assim se fez.

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