Já tem um tempo que eu não escrevo aqui. Mas, me diz, como permanecer
sem tocar esse assunto? O Rio Grande do Sul nunca esteve tão perto da minha
Bahia. E eu peço licença a todos que perderam alguém nessa tragédia para falar
sobre isso. Peço licença, porque eu nem de longe imagino o que é e não tenho
pretensão nenhuma de conseguir descrever a dor que expreme o peito nesse
momento. Mas o que eu posso dizer é que, por alguma razão, algo doeu aqui. Algo
me deixou extremamente chocada, angustiada, triste mesmo. Não sei nem se
tristeza é a palavra. Tristeza é o termo que eu uso para falar do bolo de
chocolate que acabou, do dia em que meus pais não me deixaram sair de casa,
daquela nota ruim que eu recebi. Não tem cabimento equiparar, né? Isso não é
muito comum, digo, eu me sentir tão estranha com as palavras, mas, de repente,
incrivelmente de repente, elas são pequenas, reduzidas às letras. O que
aconteceu foi mais que tudo isso, foi revoltante. E eu choro todas as vezes que
assisto reportagens sobre o assunto. Eu engulo a seco quando passo em frente a
boates aqui em Salvador e penso que poderíamos não ser salvos. Poderiam ser os
nossos corpos ali, precisando de identificação. Poderiam ser os nossos pais
naquela fila gigantesca, esperando para receber a notícia mais horrenda de suas
vidas. Poderiam ser os nossos amigos os devorados pelas chamas. Poderia ser a
minha mãe a pessoa a ligar desesperadamente para o meu celular, mais de 100
vezes, e acabar ouvindo a voz de um bombeiro. Poderia ser eu, caramba! E é isso
que me faz querer falar do assunto. É tão próximo da nossa realidade.
Diferentemente da maioria das tragédias as quais achamos que nunca aconteceriam
conosco, essa não, essa é bem real, bem possível, bem próxima mesmo. E essa
proximidade me assusta. Essa proximidade me machuca. Quebra-se o mundo
presumido. O futuro de cada uma daquelas pessoas. cada nome daquela lista, que
parecia não ter fim, era uma vida, como a minha ou como a sua. E, digo mais, eu
e você poderíamos ser aquelas pessoas. a única coisa que nos diferencia
daquelas vítimas é o mero acaso. Uma soma de acasos que eu assumo, pela
primeira vez, a existência. Amargura-se a saudade do que não foi. Os sonhos
esvairam-se em uma fumaça escura que somou-se ao céu, escuro demais. Chora-se a
inversão da lei natural da vida. Pais não devem enterrar filhos. Boates não
devem matar, devem divertir. Fogo deve aquecer, jamais queimar. E esse fogo que
tanto queimou, gerou um choque térmico, porque tudo que sobrou da chama tão
quente foi esse frio cadavérico que nos arrepia, independentemente de onde
estamos. As chamas chegaram aqui e, infelizmente, seguiram caminho. Santa
Maria, mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte.
Rogai.
Desde então vou dormir pensando nesses jovens, nos seus pais, avós, amigos e todas as pessoas que deixaram para trás :( estou totalmente inconformada e não paro de pensar se no lugar deles fossemos nós..
ResponderExcluirExatamente o que sinto, e, quando rezo, penso exatamente nisso. Poderíamos ser nós, de qualquer parte desse brasil onde as boates são todas iguais, espaços confinados sem exaustão, com apenas uma porta de saída. Santa maria, rogai por nós, agora e na hora de nossa morte. Amém. Que dor.
ResponderExcluirO texto é, em si, excelente, todavia gostaria de focar a gramática. Me encanta esse corretíssimo uso da pontuação. As pausas textuais, em decorrência das vírgulas nos locais corretos, fazem com que o texto deixe transbordar todo o sentimento. Estas mesmas pausas nos fazem refletir sobre cada palavra utilizada e, em particular, me fez sentir emoções novas acerca do terrível fato. Novamente repito: você escreve MUITO bem!!
ResponderExcluir*fizeram
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