terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós.




Já tem um tempo que eu não escrevo aqui. Mas, me diz, como permanecer sem tocar esse assunto? O Rio Grande do Sul nunca esteve tão perto da minha Bahia. E eu peço licença a todos que perderam alguém nessa tragédia para falar sobre isso. Peço licença, porque eu nem de longe imagino o que é e não tenho pretensão nenhuma de conseguir descrever a dor que expreme o peito nesse momento. Mas o que eu posso dizer é que, por alguma razão, algo doeu aqui. Algo me deixou extremamente chocada, angustiada, triste mesmo. Não sei nem se tristeza é a palavra. Tristeza é o termo que eu uso para falar do bolo de chocolate que acabou, do dia em que meus pais não me deixaram sair de casa, daquela nota ruim que eu recebi. Não tem cabimento equiparar, né? Isso não é muito comum, digo, eu me sentir tão estranha com as palavras, mas, de repente, incrivelmente de repente, elas são pequenas, reduzidas às letras. O que aconteceu foi mais que tudo isso, foi revoltante. E eu choro todas as vezes que assisto reportagens sobre o assunto. Eu engulo a seco quando passo em frente a boates aqui em Salvador e penso que poderíamos não ser salvos. Poderiam ser os nossos corpos ali, precisando de identificação. Poderiam ser os nossos pais naquela fila gigantesca, esperando para receber a notícia mais horrenda de suas vidas. Poderiam ser os nossos amigos os devorados pelas chamas. Poderia ser a minha mãe a pessoa a ligar desesperadamente para o meu celular, mais de 100 vezes, e acabar ouvindo a voz de um bombeiro. Poderia ser eu, caramba! E é isso que me faz querer falar do assunto. É tão próximo da nossa realidade. Diferentemente da maioria das tragédias as quais achamos que nunca aconteceriam conosco, essa não, essa é bem real, bem possível, bem próxima mesmo. E essa proximidade me assusta. Essa proximidade me machuca. Quebra-se o mundo presumido. O futuro de cada uma daquelas pessoas. cada nome daquela lista, que parecia não ter fim, era uma vida, como a minha ou como a sua. E, digo mais, eu e você poderíamos ser aquelas pessoas. a única coisa que nos diferencia daquelas vítimas é o mero acaso. Uma soma de acasos que eu assumo, pela primeira vez, a existência. Amargura-se a saudade do que não foi. Os sonhos esvairam-se em uma fumaça escura que somou-se ao céu, escuro demais. Chora-se a inversão da lei natural da vida. Pais não devem enterrar filhos. Boates não devem matar, devem divertir. Fogo deve aquecer, jamais queimar. E esse fogo que tanto queimou, gerou um choque térmico, porque tudo que sobrou da chama tão quente foi esse frio cadavérico que nos arrepia, independentemente de onde estamos. As chamas chegaram aqui e, infelizmente, seguiram caminho. Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Rogai.

4 comentários:

  1. Desde então vou dormir pensando nesses jovens, nos seus pais, avós, amigos e todas as pessoas que deixaram para trás :( estou totalmente inconformada e não paro de pensar se no lugar deles fossemos nós..

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  2. Exatamente o que sinto, e, quando rezo, penso exatamente nisso. Poderíamos ser nós, de qualquer parte desse brasil onde as boates são todas iguais, espaços confinados sem exaustão, com apenas uma porta de saída. Santa maria, rogai por nós, agora e na hora de nossa morte. Amém. Que dor.

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  3. O texto é, em si, excelente, todavia gostaria de focar a gramática. Me encanta esse corretíssimo uso da pontuação. As pausas textuais, em decorrência das vírgulas nos locais corretos, fazem com que o texto deixe transbordar todo o sentimento. Estas mesmas pausas nos fazem refletir sobre cada palavra utilizada e, em particular, me fez sentir emoções novas acerca do terrível fato. Novamente repito: você escreve MUITO bem!!

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