segunda-feira, 20 de agosto de 2012

divã para uma.



Durante o que parece ser muito tempo, eu tenho tentado superar algumas mágoas antigas. Superar alegrias antigas. Esquecer dias bons... Mas você sabe o que dizem sobre isso, certo doutora? É fácil fingir sentir algo. Difícil é fingir não sentir nada...
Eu senti o amor e não o escolhi pela aparência externa. Não o medi de acordo com os dias da minha vida e nem pelo lugar onde ele nasceu. Eu o senti quando o olhei, olhos nos olhos, e minha alma viu ali uma identificação que já não poderia ser descrita em palavras. Meu coração se tornou inquieto. Tão inquieto e descompassado que não saberia decodificar a palavra "descanso" até que sentisse perto de si aquele que bate ao mesmo ritmo. Sabe, doutora, o meu coração sentiu um amor livre de hábitos de etiqueta e bons costumes. Não é como se eu desprezasse tudo isso, mas, sinceramente, para que tudo isso se não houver amor? Essas coisas são irritantes como a voz daquela ex namorada do cara do seriado. Com o amor, elas se tornam amáveis, mas dispensáveis pela leveza da intimidade.
Doutora, eu me lembro de me sentir bem. Bem como eu não em sinto há muito tempo. Tão bem que eu, por vezes, acho que não existiu e isso tudo não passou de algo que eu criei para dizer que a felicidade existe. Ela existe, doutora? Digo, a senhora deve passar o dia sentada aí, enquanto tantas pessoas deitam aqui e contam seus problemas... E todas elas parecem estar em busca de uma felicidade. Será que essa felicidade realmente existe? Será que eu sou uma das poucas que a provou? Eu estou sendo audaciosa? Perdoe-me tantas perguntas...
Eu comparo essa felicidade ao amor. Mas o amor, ele é uma moeda de duas faces. Não existe maior felicidade, ou maior dor palpável que eu já tenha provado no decorrer dessa vida.
É uma alegria tão grande que dói. Dói porque nada nessa vida é eterno e você sabe que aquela alegria se vai um dia.
Eu tive sonhos essa semana, doutora. Sonhos bons, lindos, coloridos. Sonhei com aquela felicidade que eu senti. Sonhei que ela era real. Sonhei que ela era parte de mim. Por um momento, doutora, eu me senti preenchida por algo maior do que a minha existência. O meu "eu" individual parecia pequeno demais perto do "nós" que eu sonhei. E eu senti muita falta do amor. E eu acordei chorando.
O André estava dividindo o sono comigo e se assustou com o meu choro. Ele me perguntou se eu estava tendo pesadelos e eu ri. Ri uma risada fria, muito diferente do calor do meu sonho. Eram pesadelos? Não... Eram sonhos e eu chorei justamente por serem sonhos. Chorei por me fazerem lembrar de como era sentir o amor e chorei por serem apenas sonhos. Você já se sentiu assim? Eles ensinam essa matéria na faculdade? Acho que aquele remédio que você me receitou está meio fraco.
Bom, seja como for, quero dizer que estou confusa. Eu quero que o amor vá embora para sempre, porque ele dói demais e, como uma pessoa me disse: "É algo que eu não desejo para ninguém". E não desejo mesmo. Amar dói. Mas eis o meu ponto: a ausência de amor não seria uma dor infinitamente pior?
Essa semana, o Felipe me propôs, por meio de sinônimos, que nos amassemos como sempre. Que fôssemos felizes para sempre.
Sabe o que é curioso, doutora? Eu sempre pensei que era isso que eu queria. Mas, estranhamente, o André me fez perceber que não... Eu acho, pelo menos.
- Você está pronta para amar novamente.
O quê? A senhora enlouqueceu? É claro que não estou. Quer dizer, será? A senhora disse que eu estou pronta para amar? É isso mesmo, produção? Não sei, doutora. É melhor ter cuidado com as palavras - elas sempre dizem mais do que o que nós queremos dizer. Muito mais.
A única coisa que eu sei, agora, é que extraordinário ter alguém para, de repente, dividir a sua alma. Alguém para transformar a minha vida em um curto ou longo período de certezas que aos poucos desfazem as dúvidas que me condicionam o existir. Estou farta de cultivar ausências, quase-amores, semi-amores, mini-amores. Ainda que haja rancor dentro de mim, ainda que permaneçam perguntas sem resposta, eu vou fazer uso de um superlativo absoluto só para convencer a vida de que eu preciso do meu braço esquerdo tanto quanto do braço direito.
Eu, hoje, pediria perdão por toda a minha intolerância e imploraria para não deixar que o pretérito retomasse a lembrança. Mas já não há e eu não diria nada ao Felipe. Nada, porque ele faz parte de um passado bonito que eu tenho que esquecer por ser bonito demais. E sinto que esqueço a cada dia.
Mas sabe o que é estranho, doutora? Não sinto como se o passado estivesse indo embora, mas apenas o Felipe. Isso teria algo a ver como André?
Não me dói a ausência do Felipe, mas também não me preenche a presença do André. É como se eu só buscasse o amor, ao mesmo tempo em que tento nunca mais senti-lo. Doutora, eu os uso como fantoches para que eu sinta a êxtase de um sentimento que faz crer que eu nunca mais serei abandonada em qualquer estrada. E que boa essa sensação seria, se eu não tivesse certeza de que a dor se aproxima na próxima esquina. Mas você já deve ter ouvido por aí, em algum canto da sua vida, que se é muita a dor, é muito o torpor.
- Querida, o seu tempo acabou. Continuamos na semana que vem, certo?

Nenhum comentário:

Postar um comentário